quarta-feira, 3 de junho de 2009

ESPÉCIE DE EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE

Da extinção da punibilidade pela renúncia expressa ao direito de representação

Elaborado em 01.2004.
Ana Raquel Colares dos Santos Linard
juíza titular do Juizado Especial Cível e Criminal da Comarca de Juazeiro do Norte (CE).


Dispõe o artigo 75 da Lei 9.099/95 que, uma vez não obtida a composição dos danos civis, será imediatamente dada ao ofendido a oportunidade de exercer o direito de representação verbal, a qual será reduzida a termo, mencionando, ainda, seu parágrafo único, que o não oferecimento da representação na audiência preliminar não implica decadência do direito que poderá ser exercido no prazo previsto em lei.
Por conta ainda da disposição constante do aludido parágrafo único, grande parte da doutrina têm entendido pela necessidade de aguardo do prazo decadencial para oferecimento da representação, caso a vítima não exerça tal direito na audiência preliminar.
Assim, entendo que o legislador oportunizou à vítima em estado de dúvida, o prazo decadencial de 06 (seis) meses, previsto no art. 38 do CPP, para, caso queira, apresentar representação, uma vez não tendo exercido tal direito por ocasião da audiência preliminar.
E quando a vítima não apresenta representação, manifestando expressamente o desejo de renunciar ao direito de representar? Sendo condição de exercício da ação penal pelo Ministério Público, este não poderá formular proposta de transação penal. Teria então o Órgão Jurisdicional, por obrigação, de aguardar o decurso do prazo decadencial, para fins de declarar a extinção da punibilidade do autor do fato, mesmo diante da expressa renúncia da vítima ao direito de representação?
Na prática forense cotidiana, por ocasião da audiência preliminar, é oportunizado à vítima a possibilidade de optar entre quatro alternativas: composição dos danos civis, oferecimento de representação, oferecimento de representação dentro do decurso do prazo decadencial e renúncia expressa ao direito de oferecer representação.
Na grande maioria das vezes, quando a vítima opta pelo eventual oferecimento de representação no decurso do prazo decadencial, o faz por querer manter uma espécie de garantia de que o comportamento ofensivo do réu não se repetirá. A extinção da punibilidade, então, caso não se verifique o oferecimento da representação, se dará pelo advento da decadência.
Por outro lado, quando a vítima manifesta expressamente o seu desejo de não representar contra o autor do fato, pretende que o procedimento se extinga de pronto, ainda mais por se encontrar perfeitamente ciente de que a opção pelo aguardo do decurso do prazo decadencial encontra-se à sua inteira disposição.
Não há, portanto, razão para que o procedimento não tenha sua extinção decretada de plano, pela reconhecimento imediato da extinção da punibilidade do autor do fato, ainda mais se considerarmos que tal entendimento guarda perfeita consonância com os critérios que regem os Juizados Especiais, notadamente os da economia processual e celeridade. (art. 62 – Lei 9.099/95)
Essa possibilidade, inclusive, é reconhecida pelo Prof. JÚLIO FABBRINI MIRABETE, o qual entende que " não oferecendo a representação, o ofendido ou seu representante legal pode renunciar expressamente ao direito independentemente de não se ter realizado a composição dos danos. Embora a situação não esteja prevista expressamente na lei em estudo, tendo ela criada expressamente a renúncia tácita ao direito de representação pelo art. 74, parágrafo único, (item 17.2.1), deve-se por tal razão, aceitar-se a renúncia expressa. Assim, se o ofendido declarar expressamente que não pretende representar, renunciando assim a esse direito, deverá o juiz declarar extinta a punibilidade pela renúncia. Em caso contrário, não havendo renúncia expressa ou tácita, a audiência preliminar deverá ser encerrada, aguardando-se eventual representação ou o decurso do prazo decadencial." (JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS, ATLAS, pág. 81).
A jurisprudência tem confirmado esse entendimento, segundo se pode verificar do teor de decisões como a que ora se transcreve: "Deve ser decretada a extinção da punibilidade do agente acusado por delito abrangido pela Lei 9.099/95, quando houver expressa manifestação da vítima no sentido de não oferecer representação." (TACRSP, RJDTACRIM 34/230)
A pergunta que poderia ser feita neste estágio seria: e qual seria a fundamentação legal para a decretação da extinção da punibilidade do autor do fato, em face da expressa renúncia da vítima ao direito de representar?
O artigo 107 do CPB, cuja aplicação subsidiária ao procedimento regido pela Lei 9.099/95 é autorizada pelo teor do artigo 92 do mesmo diploma legal, arrola as causas ensejadoras da extinção de punibilidade, dentre as quais constam:
Art. 107. Extingue-se a punibilidade:
I - pela morte do agente;
II - pela anistia, graça ou indulto;
III - pela retroatividade da lei que não mais considera o fato como criminoso;
IV - pela prescrição, decadência ou perempção;
V - pela renúncia do direito de queixa ou pelo perdão aceito, nos crimes de ação privada;
VI - pela retratação do agente, nos casos em que a lei a admite;
VII - pelo casamento do agente com a vítima, nos crimes contra os costumes, definidos nos Capítulos I, II e III do Título VI da Parte Especial deste Código;
VIII - pelo casamento da vítima com terceiro, nos crimes referidos no inciso anterior, se cometidos sem violência real ou grave ameaça e desde que a ofendida não requeira o prosseguimento do inquérito policial ou da ação penal no prazo de 60 (sessenta) dias a contar da celebração;
IX - pelo perdão judicial, nos casos previstos em lei. (Redação dada ao artigo pela Lei nº 7.209, de 11.07.1984).
No entanto, tem entendido a doutrina especializada que referido rol não é exaustivo, existindo, assim, outras causas que podem acarretar a extinção da punibilidade do agente e que não foram expressamente previstas pelo legislador penal.
" (...) Esse rol não é taxativo, pois causas outras existem no Código Penal e em legislação especial. Cite-se como exemplo o ressarcimento do dano, que, antes do trânsito em julgado da sentença, no delito de peculato culposo, extingue a punibilidade (CP, art. 312, parágrafo 3o.), o pagamento do tributo ou contribuição social em determinados crimes de sonegação fiscal, etc. " (CAPEZ, FERNANDO. " CURSO DE DIREITO PENAL – PARTE GERAL – VOL. 1 – Saraiva, 2002, pág. 488)
"(...) é exemplificativo. Há causas extintivas da punibilidade fora do rol dessa disposição. Exemplos: a) art. 82: o término do período de prova do sursis, sem motivo para revogação do benefício, faz com que o juiz decrete a extinção da punibilidade..."( JESUS, DAMÁSIO DE. " CÓDIGO PENAL ANOTADO". SARAIVA, 1994, pág. 262)
Um dos exemplos de tais assertivas seria, a meu sentir, a hipótese de renúncia expressa, pela vítima, ao direito de representação contra o autor do fato.
Em se tratando de causa de extinção da punibilidade não prevista expressamente pelo legislador, resta ao juiz fundamentar sua decisão socorrendo-se da ANALOGIA, recurso permitido, eis que in bonam partem.
De fato, segundo a doutrina especializada, a ANALOGIA "é a atividade consistente em aplicar a um a hipótese não regulada por lei disposição relativa a caso semelhante".(FERNANDO CAPEZ, in "CURSO DE PROCESSO PENAL", SARAIVA, 2002, pág. 65)
Ademais, em sendo o fundamento da ANALOGIA a expressão latina Ubi eadem ratio, ibi eadem jus (onde há a mesma razão, aplica-se o mesmo direito), entendo pelo cabimento da aplicação analógica do inciso V do artigo 107, suso transcrito, como fundamento legal para extinção da punibilidade do agente em face de renúncia expressa da vítima ao direito de representação.
Assim, resta claro que a hipótese de extinção da punibilidade do agente, em face de renúncia ao direito de queixa, se mostra naturalmente aplicável ao caso sob análise em razão de sua evidente semelhança com este, possibilitando ao juiz fundamentar legalmente a extinção da punibilidade do autor do fato, em face de renúncia expressa da vítima ao direito de representação, pela aplicação analógica do dispositivo constante do inciso V do artigo 107 do Código
Penal.

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